CENTROS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: espaços privilegiados na construção da sustentabilidade

No Brasil, a criação dos CEAs remonta ao final dos anos 70 até meados dos anos 80, quando receberam distintas denominações, de acordo com a localização e o foco de suas ações. Essas iniciativas foram impulsionadas, sobretudo pela atuação de pequenas propriedades rurais, ONGs e unidades de conservação, e mais tarde, por empresas privadas de grande porte, principalmente ligadas ao setor primário (mineração, agricultura e floresta, principalmente). Contribuíram para esse impulsionamento a abertura política vivida pelo Brasil em meados da década de 80, a articulação da sociedade civil a partir de 1985, que culminou com a promulgação da Constituição de 1988 e a mobilização internacional em torno da problemática socioambiental.

Deboni da Silva (2004) e Sorrentino (2003) são alguns dos estudiosos dos CEAs no Brasil. Partindo do levantamento de experiências europeias e brasileiras construíram um quadro teórico, bem como, especificações técnicas. Uma das contribuições significativas refere-se à elaboração do quadro de características que os CEAs devem incorporar em suas atividades. São elas:

Ambientais: Referem-se à preocupação em proteger o meio ambiente local, evitando impactos, seja pela localização, utilização de materiais, uso de equipamentos, movimentação do solo, seja pela atuação de recuperação dos ecossistemas. Nesse item também está incluída a leitura ambiental do local, que pode ser entendida como a utilização deste como palco de atividades pedagógicas.

Sociais: Referem-se à preocupação em estabelecer relações com a comunidade, seja através de inserção na gestão, na elaboração de atividades, atuação nas atividades oferecidas. Pode-se considerar também o atendimento de demandas sociais locais e específicas.

Político-ideológicas: Referem-se ao compromisso com o papel político que deve exercer na busca da sustentabilidade e as estratégias utilizadas, que devem estar presente no projeto político pedagógico de forma clara.

Econômicas: Referem-se à existência de estratégias de sustentabilidade financeira a curto, médio e longo prazos.

Pedagógicas:Referem-se à coerência com a educação para a sustentabilidade, diversidade de público, promoção de atividades que privilegiem a sensibilização em relação ao meio ambiente e seus problemas, oferta de atividades dialógicas críticas e reflexivas e realização de avaliação contínua.

Essas contribuições foram importantes, contudo há uma lacuna, como os mesmos autores apontam, no que se refere à utilização dos conhecimentos produzidos. Não há informações sobre como eles foram utilizados, resultados alcançados e impactos. Um dos caminhos para o preenchimento dessa lacuna pode ser através da realização de relatos de experiências. Nesse sentido realizamos uma avaliação sobre o processo de incorporação de algumas características

As características consideradas na análise do Centro Gênesis foram as seguintes: ambiental, que se refere à preocupação em proteger o meio ambiente local; Social relacionada à preocupação com o estabelecimento de relações com a comunidade; Político-ideológica, que diz respeito ao compromisso com o papel político que deve exercer na busca da sustentabilidade; econômica, que remete à existência de estratégias de sustentabilidade financeira a curto, médio e longo prazos e Pedagógica, cujo aspecto principal é a coerência com a educação para a sustentabilidade.

Os resultados estão organizados em três etapas:

Fase 1: 2000 a 2005 - Nessa fase foram construídas as primeiras instalações e o espaço começou a ser organizado. As atividades oferecidas consistiam tão somente de visitação de escolas e a equipe era formada pela diretora, uma pedagoga e o pessoal de apoio.

A preocupação com a característica ambiental pode ser identificada através de duas ações: a primeira foi a restauração da cobertura vegetal, cujo início se deu sem utilização de uma técnica específica. mas com plantio aleatório, de algumas espécies da Mata Atlântica. A segunda foi a interrupção do processo de degradação existente no local, que consistia de retirada de areia, caça de pequenos animais e corte de árvores para fabricação de carvão. A interrupção foi viabilizada através da oferta de atividades de educação ambiental para as crianças nas dependências do Centro e nas escolas do entorno.

Nesse primeiro momento não houve preocupação com a utilização de materiais ecológicos nas construções, sendo utilizado materiais convencionais. Quanto à característica social, o aspecto mais importante foi o estabelecimento de relacionamento com a comunidade, através da contratação de pessoal local.

Em relação à característica politico-ideológica, mesmo não havendo um projeto político pedagógico, havia clareza quanto ao modelo de educação ambiental a ser adotado. Essa era crítica e reflexiva, sendo trabalhada em todas as atividades oferecidas nas visitações, visando a construção da sustentabilidade.

A característica econômica apresentava deficiências, devido a falta de uma oferta permanente de atividades.

Quanto a característica pedagógica, essa apresentava uma coerência com a educação para a sustentabilidade, buscando a adoção de novos e valores e atitudes que promovessem a convivência mais harmônica com o planeta, mas se limitava à oferta de atividades para crianças do ensino fundamental.

Os demais aspectos, como: promoção de atividades que privilegiem a sensibilização em relação ao meio ambiente e seus problemas, oferta de atividades dialógicas críticas e reflexivas e realização de avaliação contínua, seriam implementadas a partir da etapa seguinte. Contribuiu para isso a elaboração do projeto político pedagógico, criação do conselho de sustentabilidade e a qualificação da equipe.

Os aspectos que merecem destaque nessa fase são: o processo de restauração da cobertura vegetal, a elaboração do projeto político pedagógico e a criação do conselho de sustentabilidade. O processo de restauração evoluiu e atualmente podem ser identificados i O projeto político pedagógico deu um direcionamento às atividades e o conselho de sustentabilidade deu credibilidade e visibilidade ao Centro. Ele é constituído por mestres e doutores do Brasil e exterior com atuação no cenário ambiental.

Fase 2: 2006 a 2010 – Período de expansão, no qual a a adoção das características pode ser percebida de forma mais clara. A ambiental foi ampliada com a inclusão de materiais ecológicos e transformação do local em palco de aprendizagem: Jardins, trilhas, lagos, cantos, recantos passaram a ser utilizados como espaços pedagógicos.

A característica social, além da contratação de colaboradores da comunidade, contou com a sensibilização das crianças e adultos em relação aos problemas ambientais locais. As crianças participaram de projetos de educação ambiental e os adultos, das atividades oferecidas, versando sobre a água, fragmentos urbanos da Mata Atlântica, entre outros.

A característica político-ideológica foi consolidada com a estruturação das atividades oferecidas, tendo como pressuposto uma educação ambiental crítica, reflexiva. O projeto Construindo Caminhos para a Sustentabilidade, premiado no Brasil e exterior e que faz parte da base de dados da ONU-HABITAT internacional sobre Boas Práticas de Sustentabilidade é o grande destaque dessa etapa.

Em relação à característica econômica houve melhoras porque o Centro passou a realizar serviços para grandes empresas nacionais e internacionais. O exemplo mais importante foi a empresa de distribuição de energia que contratou os serviços para desenvolvimento de sensibilização e mobilização sobre consumo consciente de energia nas escolas, por 3 anos.

A característica pedagógica se acentuou. Alem da coerência com a educação para a sustentabilidade, ampliou o público. Um exemplo emblemático foi o caso das instituições religiosas que passaram a procurar apoio para inclusão da temática ambiental em suas atividades e o Centro Gênesis elaborou materiais, palestras e contribuiu para que a temática fosse trabalhada em muitas instituições. Em 2018 teve inicio a realização dos seminários Fé Cristã e Ecologia

Também promoveu atividades que privilegiavam a sensibilização em relação ao meio ambiente e seus problemas. Nesse sentido foram desenvolvidas atividades de educação infantil, de forma continua através da oferta de cursos de capacitação, workshops e projetos. O mais destacado é o Aprendendo Através das Cores do Jardim. Esse projeto viabiliza o enfoque de valores e atitudes como o cuidado, respeito, encantamento, seguindo as orientações de Gadotti, Boff e Capra acerca do caminho ecozóico, baseado na construção de novos valores e atitudes, que contribuam para o estabelecimento de uma relação saudável com o planeta.

Os destaques desse período são o estabelecimento de parcerias, a elaboração de projetos inovadores e de qualidade e ampliação do público atendido. Uma das parcerias mais significativas foi com a Aliança Francesa, pois deu visibilidade internacional ao Centro e apoio material para a realização de atividades com as crianças do entorno. O projeto mais inovador foi o Construindo Caminhos para a Sustentabilidade. Realizado em escolas públicas do município, conquistou prêmios e distinções no Brasil e exterior. O ponto alto desse projeto é a organização de núcleos de educação ambiental nas escolas atendidas. A inclusão das instituições religiosas contribuiu para que a temática ambiental passasse a ser discutida em novos espaços. Isso é extremamente relevante no momento em que o movimento em torno da sustentabilidade ganha importância com a elaboração dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável –ODS e a participação de distintos atores é fundamental.

Fase 3: 2011 a 2018 - Fase atual, marcada por preocupação ambiental em todas as atividades do Centro. Foram instalados mecanismos para economia de energia e água. Foram construídos composteiras, chorumeiras e um viveiro com produção de espécies da Mata Atlântica. A recuperação do fragmento da Mata Atlântica passou a ser realizado com uma metodologia, tendo avaliação dos resultados. Isso contribuiu para que o processo se transformasse em objeto de estudos.A característica social foi marcada por uma maior aproximação com a comunidade, através da realização de grandes eventos.

A característica político-pedagógica se consolidou, sendo possível identificar um claro comprometimento com a construção da sustentabilidade.

Em relação à característica econômica, o Gênesis, conta com um plano de sustentabilidade financeira, a partir da diversificação das atividades oferecidas

Quanto à característica pedagógica podemos verificar um salto qualitativo com a produção de conhecimentos.

Os aspecto mais importantes dessa etapa são: a transformação do Centro Gênesis em objeto de estudos, a sensibilização e mobilização da comunidade em relação aos problemas locais, através da realização de grandes eventos com a participação da comunidade e a criação do núcleo de pesquisas. A experiência do Centro Gênesis vem sendo investigada por estudantes de diversas áreas, no campo da educação ambiental, biologia e geografia. Um dos eventos mais importantes tem sido o Dia Nacional da Mata Atlântica, que conta com a presença de biólogos, geógrafos e contribuiu para que a população local compreenda a importância da presença de um micro fragmento de um ecossistema tão importante. Isso resulta num maior comprometimento com o cuidado e preservação e também num certo orgulho do local. É comum moradores levarem parentes e amigos para conhecerem o espaço. Em certa medida podemos dizer que o Gênesis está contribuindo para o empoderamento comunitário. A criação do núcleo de pesquisa mostra a transformação do Gênesis em produtor de conhecimentos, sobretudo no que se refere aos fragmentos urbanos da Mata Atlântica, serviços ecossistêmicos, processos de restauração da cobertura vegetal e práticas de educação ambiental.

Os resultados identificados mostram que a adoção das características pelo Centro Gênesis se reveste de importância na medida em que:Transformou um local degradado em um produtor de serviços ecossistêmicos; Possibilitou a elaboração de projetos inovadores e de qualidade; Contribuiu para a inclusão de instituições religiosas no processo de construção da sustentabilidade; Contribuiu para a colocação de um CEA como campo de estudos e pesquisas; Propiciou a construção de estratégias de sensibilização e mobilização da comunidade em relação aos problemas locais; Promoveu o empoderamento local e Contribuiu para a transformação do Gênesis em produtor de conhecimentos, sobretudo no que se refere aos fragmentos urbanos da Mata Atlântica, serviços ecossistêmicos, processos de restauração da cobertura vegetal e práticas de educação ambiental.

A conjugação desses resultados mostra que um CEA pode ter um papel relevante na construção da sustentabilidade.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Do exposto no artigo, podemos concluir que a adoção das características, aqui apresentadas, pelos CEAs podem contribuir para que eles sejam instituições privilegiadas na construção da sustentabilidade, sobretudo a partir dos espaços urbanos. Nesse sentido faz-se necessário pesquisas que identifiquem tais centros, sua constituição e planos de trabalho. Isso é extremamente relevante no momento em que os problemas socioambientais se intensificam, sobretudo em municípios periféricos como é o caso de São Gonçalo.

Faz-se necessário também a formação de redes de CEAs, constituídas tanto por instituições do Brasil, como do exterior e que se constituam em espaços de reflexão e formação, com destaque para o aspecto político- ideológico, que se refere ao compromisso com o papel político que deve exercer na busca da sustentabilidade. Os integrantes dos CEAs precisam ter clareza quanto a necessidade de superação dos problemas socioambientais e construção da sustentabilidade e os caminhos que devem ser trilhados para alcançar esse objetivo. As redes podem proporcionar o compartilhamento de experiências, que podem ser replicados, com os devidos ajustes teóricos e metodológicos.

Consideramos tamém que o projeto político pedagógico é fundamental para a consolidação dos trabaalhos dos CEAs, devendo ser construído com base nas contribuições de autores que se dedicam à temática ambiental e suporte no campo da educação.

Finalizando, faz-se necessário a qualificação dos integrantes dos CEAs e o estabelecimento de parcerias, sobretudo com instituições de ensino superior. Consideramos que a partir dessas parcerias poderá haver o fortalecimento dos CEAs e um trabalho mais efetivo. Como efetivar tais parcerias, como trabalhar, que obstáculos precisam ser superados, são temas que precisam ser pesquisados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Acserald, H. (2001). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Coleção espaços do desenvolvimento, Rio de Janeiro: DP&A/CREA-RJ, 2001.

Boff, L. (1999). Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis. RJ: Vozes.

--------------- (2005). Virtudes para um outro mundo possível, vol I: hospitalidade: direito e dever de todos. Petrópolis, RJ: Vozes.

-------------- (2006). Virtudes para um outro mundo possível, vol II: convivência, respeito e tolerância. Petrópolis, RJ: Vozes.

---------------(2005). Virtudes para um outro mundo possível, vol III: comer e viver juntos e viver em paz. Petrópolis, RJ: Vozes.

Capra, F. & outros. (2006). Alfabetização ecológica. A educação das crianças para um mundo sustentável. São Paulo.Cultrix.

Demoor, E. A. ( 2000). O jardim como currículo: valores educacionais para a sustentabilidade. Pátio revista pedagógica. Ano 4 n. 13 maio/julho

Deboni, S. (2004). Diagnóstico dos Centros de Educação Ambiental no Brasil. Ministério do Meio Ambiente. Diretoria de Educação Ambiental. Brasília.

Gadotti, M. (2009). Educação para a sustentabilidade. São Paulo Editora e livraria do Instituto Paulo Freire.2009

Layargues, P. P. & Castro, R. (2002). Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. 2ª ed. São Paulo: Cortez.

Pérez, J.G. (1995). “La calidad educativa de los Equipamientos Ambientales, un debate necesario”. In: II Jornadas de Educación Ambiental en Castilla y León, Salamanca : Gráficas Varona, 1994., 35-51p. PÉREZ, J.G. Evaluación de la calidad educativa de los Equipamientos Ambientales. Madrid : Secretaría General Técnica : Centro de Publicaciones Ministerio de Obras Públicas, Transportes y Medio Ambiente.

Sachs, I. (2000). Caminhos para o desenvolvimento sustentável. In: ASTRO, Paula Yone (Org.). Rio de Janeiro: Garamon.

Soares, F. J. (2004). Caminhos para o desenvolvimento da sensibilidade ambiental: uma incursão sobre as evidencias. In: Projeto - Revista de educação:educação ambiental/ Porto Alegre: projeto. v.6 n. 8.

Sorrentino, M. (2003). Publicações Tópicos en Educación Ambiental Volume 5 Edição 13. Páginas 58-72. Los centros de educación ambiental (CEA) brasileños y los equipamientos de educación ambiental (EEA) españoles: aproximaciones y diferenciaciones.